top of page

Exportações brasileiras de celulose e papel: terremotos à vista

ree

No segmento de papel, a China importou do Brasil, desde 2021, apenas USD 160 milhões (1,5% das exportações brasileiras).



02/09/2025 - Venho escrevendo muito, nos últimos meses, a respeito das novas dinâmicas do mercado mundial, desde que múltiplos países entraram na seara de proteger suas estruturas industriais internas e, por consequência, mercados domésticos. E isso não é novidade. Desde que o mundo começou a falar sobre globalização, persiste a ideia geral de que comércio global é bom, mas que também é necessário algum controle sobre a “invasão” de produtos importados.


Bem, especificamente sobre o caso brasileiro do segmento de celulose e papel, temos hoje fantasmas que assombram dois importantes mercados consumidores internacionais: Europa e Estados Unidos.


No caso Europeu, o cerco atual é uma barreira não tarifária envelopada com perfume de ambientalismo sustentável: a EUDR, ou Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento. Neste conjunto de normas, os países do bloco passarão a exigir, a partir de 2026, um robusto conjunto de certificados e registros que comprovem que os produtos naturais ou industrializados vieram de propriedades rurais livres de desmatamento ilegal, nos seus países de origem.


A legislação robusta impõe obrigações tanto para o produtor de países fora da Europa como para consumidores Europeus que adquirem produtos via importação. Na prática, foi criado um ecossistema burocrático que aumentará fortemente os custos produtivos de diversas cadeias produtivas, entre elas, a de celulose e papel. Além disso, devem surgir, neste mesmo ecossistema, os famosos checadores de fatos/certificadoras/auditorias de registros, retroalimentando o incremento de custos na busca de fraudes.


Já no caso do mercado dos Estados Unidos, temos hoje a imposição de uma nova realidade comercial e política da Casa Branca para praticamente todos os seus parceiros comerciais. Esta nova realidade se traduz em um processo intenso (e ainda em implementação) de negociações para aumentar o livre comércio entre EUA e os países, bem como imposição de barreiras comerciais para outros por motivos múltiplos, como cotas ou tarifas adicionais para venda de produtos nos Estados Unidos.


Vamos analisar, com mais detalhes, como as exportações de celulose e papel brasileiras estão sincronizadas neste turbilhão.


O Brasil é protecionista e cobra muitos impostos na importação? Sim… e não há como afirmar o contrário. A carga tributária no País é muito elevada e importar qualquer produto se torna muito caro. A recente fábula da “taxa das blusinhas” escancarou, até para o consumidor de baixa renda, que mesmo compras de produtos muito baratos praticamente dobram de preço quando importados.


Eu treinei um modelo na Inteligência Artificial (IA) para simular o preço final de produtos importados, considerando a legislação tributária no Brasil e nos EUA. Testei o modelo para inúmeros produtos, desde automóveis, pneus, smartphones, soja, aço, carne, suco de laranja e outros. Nesta publicação, vou trazer apenas dois exemplos práticos: celulose e aço.


Na celulose, vamos supor que uma indústria brasileira queira importar 1 tonelada de celulose de fibra curta, de um produtor americano. Tomando um preço FOB médio de USD 700/ton (Nova York), este produto chegaria para o importador brasileiro, após despacho aduaneiro, por USD 1.026/ton (Santos), pagando todas as taxas comerciais e logísticas, além dos impostos brasileiros (47% de aumento de preço, em dólar).


E, no caso contrário, considerando o produtor brasileiro exportando para uma indústria americana? Pois bem, saindo de Santos pelos mesmos USD 700/ton, chegaria no porto de Nova York por USD 852/ton (aumento de preço de 21,7%, muito abaixo do comparativo “custo Brasil”). Porém, desde abril de 2025, os EUA impuseram uma tarifa adicional de importação de 10%. Com isso, o preço CIF passaria para USD 933/ton, ou seja, 33% de aumento de preço. Contudo, desde o início de agosto de 2025, a Tarifa Adicional passou a ser de 50%, fazendo com o preço entregue seja de USD 1.260/ton (80% de aumento de preço, muito acima do preço CIF regular inicial, na casa dos USD 850/ton).


Comparando os resultados, vemos claramente que o Brasil, sem nenhuma tarifa comercial adicional, consegue encarecer a celulose importada num grau muito superior ao mercado americano… e isso num segmento em que somos muito competitivos. Em resumo, é tudo culpa dos impostos mesmo.


Repetindo o exercício para o aço (plano), se uma indústria brasileira importar 1 tonelada dos EUA (USD 600/ton FOB NY), resultará num preço final pós desembaraço de USD 1.117/ton CIF Santos, ou seja, 86% de aumento de preços (considerando o pior cenário, com ultrapassagem de cotas e tarifa excedente).


Na negociação reversa, o produtor brasileiro exportando o aço plano para uma indústria americana com o mesmo preço de partida (USD 600/ton FOB Santos), implicaria nos seguintes preços finais postos em NY: USD 743/ton em condições normais, USD 802/ton com tarifa adicional de 10% e USD 1.089/ton com tarifa adicional de 50%. Adição de preços seria de 24%, 34% e 82%, respectivamente.


Ponderando agora os resultados da negociação comercial de aço, temos uma situação que mostra o claro exemplo do Custo Brasil. Mesmo com a tarifa adicional de 50% imposta pelos EUA, ainda assim o preço final do aço vendido ao importador americano é menor do que o preço pago pelo importador brasileiro em condições legais normais.


O setor de celulose e papel foi salvo das tarifas adicionais de 50%?


A resposta a esta questão do nosso intertítulo é não. A Ordem Executiva da Casa Branca, de 30 de julho de 2025, estabeleceu a Tarifa Adicional para a importação de produtos brasileiros, no montante de 50% (10% que já estavam em vigor, acrescida de 40% adicionais), a partir de agosto de 2025.


O Anexo I, da referida Ordem Executiva, lista uma série de produtos que estão momentaneamente isentos da aplicação da Tarifa Adicional, até que outra normativa proponha algo diferente. É importante destacar que, na legislação comercial americana, utiliza-se o Harmonized Tariff Schedule of the United States (HTSUS), ou Tabela Tarifária Harmonizada dos Estados Unidos.


Neste sistema, os produtos são classificados com um código de até dez dígitos, o que o torna muito mais detalhado do que o padrão utilizado pelo Brasil (NCM – Nomenclatura Comum do Mercosul), que classifica os produtos em códigos de até oito dígitos. No padrão americano, a estimativa é conter 17 mil categorias de produtos, enquanto no brasileiro são de 10 mil.


Como a base legal utilizada foi a legislação americana, os itens incluídos no Anexo I estão padronizados na HTSUS e, portanto, precisam ser equiparados à nossa nomenclatura NCM. E é aí que inúmeros analistas e jornalistas se perderam.


No caso da celulose, praticamente toda a exportação de celulose brasileira foi salva das tarifas de 50%. Contudo, é importante destacar que a celulose obtida por processos mecânicos (ou seja, pasta mecânica) não foi incluída nas exceções. Desde 2021, o Brasil exportou USD 25 milhões de celulose de pinus, mas aqui os EUA têm participação irrisória (Argentina responde sozinha por 92% das compras). Então, embora permaneça com tarifa adicional de 50%, os EUA não são um mercado representativo.


Mas, e no caso do segmento de papel? Aqui a análise é trágica. Os códigos listados são do padrão “outros não citados anteriormente”, na equivalência da legislação brasileira. Então, aqui, praticamente todas as exportações brasileiras para os EUA terão o impacto da Tarifa Adicional, salvo raras exceções.


O montante exportado pelo Brasil, desde 2021, no segmento papel, foi de USD 10,8 bilhões. Para os EUA, foram USD 1,1 bilhão, no mesmo período, ou seja: 10,5% do mercado, no agregado. É claro que alguns produtos são mais impactados, como no caso do papel cartão não revestido, cuja participação americana é de 15%.


Então, para o exportador brasileiro de papel, é fundamental entender a elasticidade da demanda de seu nicho de mercado e, se necessário, prospectar novos parceiros internacionais.


A China é nosso principal parceiro comercial e vai substituir o espaço do comprador americano?


Esta afirmação do nosso intertítulo é muito pouco provável, nos curto e médio prazos. O plano de governo chinês é ser o fornecedor mundial de produtos e soluções. Para isso, vem se especializando há décadas em importar produtos primários, industrializar internamente e abastecer o restante do mundo com produtos industrializados e customizados. Foi este conceito que tornou o País a potência industrial que é hoje, em inúmeros setores da economia.


Os números comprovam este cenário. Voltando ao segmento de papel, a China importou do Brasil, desde 2021, apenas USD 160 milhões (1,5% das exportações brasileiras), o que mostra que a China não é crucial para este segmento.


Ainda considerando o total do comércio internacional do Brasil (todos os produtos), a partir de 2021, os Estados Unidos importaram do Brasil USD 170 bilhões, e a China USD 433,6 bilhões (2,5x a mais). Mas a pauta de produtos é completamente diferente.


Nos EUA, os dez principais produtos representam 44% da pauta exportada e incluem itens primários (como petróleo bruto, soja e café), itens semielaborados (aço plano, celulose e carnes processadas) e produtos industrializados (como as aeronaves). Na China, apenas três itens representam 76% de tudo o que importaram do Brasil desde 2021: soja, minério de ferro e petróleo bruto, todos produtos primários.


E no fluxo oposto, como se comportam esses parceiros? No mesmo período, o Brasil importou dos EUA USD 195,3 bilhões, e da China USD 266,9 bilhões (1,3x a mais). Na pauta americana, o peso está em cima de energia (petróleo bruto e refinado, gás natural e combustíveis), aviões, produtos químicos (inclusive para a indústria de celulose) e fertilizantes. Os dez itens mais importantes representam 44% da pauta de importações americana. No caso chinês, a pauta é muito mais pulverizada, uma vez que os dez principais produtos representam apenas 18% do valor importado. Dentre os itens, temos as placas fotovoltaicas, celulares, produtos químicos e fertilizantes.


Dessa forma, é fácil perceber que temos dependências setoriais e conexões comerciais distintas com EUA e China, o que torna praticamente impossível imaginar que uma nação vá substituir a outra, em termos de comércio, no curto ou médio prazos.


A China é nosso principal parceiro comercial e vai substituir o espaço do investidor americano em solo brasileiro


Esta afirmação também é muito pouco provável. Como citado no item anterior, o modelo de desenvolvimento econômico da China foi desenhado há décadas e vem sendo executado com sucesso desde então: ser a indústria mundial. E isso envolve se abastecer com insumos e produtos importados de outros países, industrializar internamente e exportar esta produção para todo o globo.


Então, quando se fala em investimento chinês em outros países, tem que se ter em mente este mesmo mantra. Via de regra, o chinês criou estruturas de negócios no Brasil para produzir e pré-industrializar os materiais de que precisa, para em seguida exportá-los para as fábricas na China.


O último relatório público sobre Investimento Estrangeiro Direto, disponibilizado pelo Banco Central brasileiro, é de 2024. O relatório mostra que tanto EUA como China aumentaram seus investimentos no Brasil entre 2015 e 2023. Contudo, a participação americana é muito superior. Os EUA saíram de 21% para 27% do total investido, à frente de nações como Espanha, França e Uruguai. A China ocupa hoje o 5º lugar, com 5% no montante (era 2% em 2015).


Dessa forma, estes números também corroboram com o fato de que a China não tem interesse estratégico de aumentar o aporte de investimento no Brasil, no curto ou no médio prazo, para ocupar o espaço da presença americana em nossa economia local.


As exportações brasileiras de celulose e papel para os EUA não podem ficar ainda mais em risco


Esta nossa afirmativa aqui neste intertítulo também não é verdade. Já se tem declarações da Casa Branca e do Secretário de Comércio Americano que novas pressões sobre o Brasil estão a caminho. As Tarifas Adicionais sobre as importações americanas com origem no Brasil se referem exclusivamente a questões políticas.


Neste primeiro bloco de imposições, o governo americano focou exclusivamente em, nas palavras textuais dos comunicados oficiais, perseguição política, censura à opinião e ordens ilegais a empresas americanas para tomada de ações em solo americano, contra americanos. Concorde ou não com os argumentos, estas são as variáveis colocadas.


Neste momento, de acordo com o posicionamento do Governo Brasileiro, não haverá nenhuma tratativa para iniciar discussões sobre o tema. Em resumo, até este momento, as tarifas adicionais de 50% serão permanentes, já que nesta semana o Governo Federal anunciou um pacote de ajuda (financiamento) para os setores envolvidos. Essa atitude é uma clara demonstração de que o Governo Brasileiro busca o confronto, e não diálogo. De novo, se está certo ou errado, neste momento não é o importante. O importante é o contexto e os desdobramentos dessa estratégia para o cenário econômico do País.


Mas, se a situação é ruim, ela vai piorar. Há outras duas frentes de pressão que a imprensa tradicional ainda não pautou… e elas são muito mais graves para a economia brasileira e difíceis de equacionar. São elas:


Imposição de penalidades sobre países que estão colaborando com a postergação da Invasão da Ucrânia pela Rússia. EUA e OTAN já anunciaram textualmente que vão sancionar países que, na opinião deles, estiverem colaborando com o financiamento da Rússia, via compra de itens de energia (petróleo, combustíveis, gás etc.). O Brasil foi textualmente citado, juntamente com China e Índia, por ter aumentado drasticamente a compra de diesel, desde a invasão russa. A Índia, inclusive, foi sancionada com nova tarifa adicional de 25%, agora no início de agosto. É bem provável que o Brasil seja o próximo da lista, já no início de setembro de 2025.


Investigação da seção 301 da Lei de Comércio dos Estados Unidos. Esta investigação foi iniciada em 15 de julho de 2025 por ordem do presidente Trump e visa apurar potenciais práticas comerciais do Brasil consideradas “desleais” pelos EUA. Ela é conduzida pelo Escritório do Representante Comercial (USTR) e está concentrada em diversos elementos citados textualmente. Envolvem desde protecionismo por cotas de mercado, tarifas preferenciais, proteção insuficiente à propriedade intelectual (pirataria), combate à corrupção e até desmatamento ilegal. O Brasil já foi alvo deste tipo de ação no passado, envolvendo nossa antiga Lei da Informática, lá nos anos 1980, por exemplo.

Estes dois assuntos são potencialmente mais catastróficos do que os demais, já que para as tarifas adicionais de 50% o governo americano já apontou as soluções e, teoricamente, são fáceis de equacionar (apesar do enorme peso político para os envolvidos).


Para essas duas novas situações de pressão, a capacidade que o país tem de apresentar soluções é extremamente limitada, principalmente se a 1ª sanção (política) não for equacionada. Dada a complexidade desses novos temas e seus possíveis desdobramentos, um novo artigo será necessário para aprofundar o debate.


Fonte: Newspulpaper

 
 
 

Comentários


Não é mais possível comentar esta publicação. Contate o proprietário do site para mais informações.
EMPRESAS  ASSOCIADAS

SINPAPEL

SINDICATO DAS INDÚSTRIAS DE CELULOSE, PAPEL E PAPELÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

Av. Raja Gabaglia, 2000 - Sala 324

Torre 1 - Bairro Estoril 

CEP: 30.494-170 | Belo Horizonte - MG

sinpapel@fiemg.com.br

Tel: +51 (31) 3282 7455 | (31) 99835-7205

  • Instagram
  • YouTube
WhatsApp_edited.png

© Copyright 2020 SINPAPEL. Todos os direitos reservados. Web Designer Ricardo Sodré

bottom of page